Uma empregada doméstica de Porto Alegre deixou de comparecer ao trabalho em diversos momentos do contrato sob a justificativa de estar com problemas de saúde. Um mês e meio antes de encerrar o vínculo de emprego, alegou que o filho teria sofrido um acidente de trabalho grave e, durante este período, solicitou diversos adiantamentos de salários, concedidos pela patroa, sensibilizada com a situação. Posteriormente, pediu demissão porque teria que acompanhar o filho, supostamente transferido para um hospital de Santa Maria, mas ajuizou ação na Justiça do Trabalho sob a alegação de que a patroa não teria quitado verbas rescisórias a que supostamente tinha direito, como se houvesse sido despedida sem justa causa. Conforme as provas do processo, as internações nos hospitais e o próprio acidente de trabalho nunca existiram.
Devido aos fatos descritos acima, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou a empregada a pagar R$ 3,4 mil de indenização por danos morais à empregadora, além de multa de 1% sobre o valor da causa (fixado em R$ 4 mil) por acionar o Poder Judiciário pleiteando um direito que sabia ser indevido (litigância de má-fé). A decisão reforma sentença da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que, por motivos técnicos relacionados a procedimentos processuais, havia extinguido a ação sem resolução de mérito. As partes ainda podem recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O caso - De acordo com informações dos autos, o contrato de trabalho vigorou de fevereiro a novembro de 2014. Neste período, em diversas ocasiões, a empregada doméstica mandou mensagens de texto via celular à empregadora para explicar que estava com problemas de saúde (dores nas costas, problemas digestivos, entre outros). Nas mensagens, ela avisava que faltaria ao serviço e/ou pedia adiantamentos de salário para pagar remédios e hospitais.
Em setembro de 2014, avisou que o filho, empregado de uma montadora de automóveis, teria sofrido acidente de trabalho e apresentava traumatismo craniano. Nos dias subsequentes, escreveu diversas vezes para a empregadora, solicitando adiantamentos e falando do estado grave do filho, até pedir demissão em novembro, sob a alegação de que o acidentado teria que ser transferido para Santa Maria e ela teria que acompanhá-lo.
O pedido de demissão foi realizado por carta assinada, mas posteriormente a empregada ajuizou ação trabalhista pleiteando pagamento de verbas rescisórias e de aviso prévio.
Na defesa, a empregadora ajuizou um pedido contraposto, pleiteando a indenização por danos morais. Como embasamento, a reclamada anexou transcrições das mensagens de texto, cuja autenticidade foi reconhecida em cartório, manifestações dos hospitais dando conta de que não havia registros da internação do suposto acidentado, bem como carta da montadora de automóveis em que se afirma que o empregado nunca sofreu qualquer tipo de acidente de trabalho e nem teve afastamentos previdenciários por quaisquer motivos.
Ao julgar o caso em primeira instância, entretanto, o juízo da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre entendeu que não seria possível receber o pedido contraposto, porque o processo tramitava em regime sumaríssimo (modalidade de tramitação em que alguns procedimentos são agilizados, possível para processos cujo valor esteja abaixo de 40 salários mínimos). Com base neste argumento, o processo foi extinto sem resolução de mérito, o que gerou recurso da empregadora ao TRT-RS.
Princípio da Boa Fé - Ao relatar o recurso na 1ª Turma do Tribunal, o desembargador Marçal Henri dos Santos argumentou que as provas do processo comprovaram a violação do princípio da boa-fé por parte da empregada, conduta que causou grande mágoa à empregadora. O desembargador fez referência às transcrições das conversas por mensagens entre empregada e empregadora, nas quais a trabalhadora pedia adiantamentos de salário e a reclamada, geralmente, fornecia tais quantias e demonstrava apreço e interesse pela situação supostamente difícil da reclamante. O relator mencionou também a carta de demissão assinada de próprio punho pela empregada, as manifestações dos hospitais quanto à falta de registro de internação do filho supostamente acidentado e o retorno da empresa em que este trabalhava, dando conta de que o trabalhador nunca havia sofrido qualquer acidente.
Para o desembargador, o elemento principal de prova foi a transcrição das conversas, "que deixa clara sua preocupação [da empregadora] e envolvimento com a situação da reclamante, sempre demonstrando carinho, compreensão, tanto com ela como com seu filho, para, logo após, ser surpreendida com a prova das mentiras perpetradas durante meses do contrato, que serviram, inclusive, para justificar ausências e conseguir adiantamentos de salário". Neste sentido, o relator considerou caracterizado o dano moral.
Quanto à litigância de má-fé, o magistrado argumentou que a empregada sabia que não teria direito a verbas rescisórias devido às múltiplas faltas ao serviço, mas mesmo assim acionou o Poder Judiciário para obter esta finalidade e por isso mereceria ser penalizada. O entendimento foi seguido por unanimidade pelos demais integrantes da Turma Julgadora.
Redação DF com Secom/TRT4