O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o acusado por ter induzido a erro o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para receber pensão por morte por aproximadamente quatro anos. Ele alegava ter mantido união estável com uma falecida segurada da autarquia.
Em primeiro grau, o acusado foi condenado pelo crime do artigo 171, § 3º (estelionato contra ente público) do Código Penal. No recurso ao TRF3, ele afirmou ser parte legítima para receber o benefício em decorrência da morte de sua companheira e que há escritura pública da união estável.
Segundo o réu, as testemunhas de acusação são suas inimigas e "não apresentaram subsídios para elucidação dos fatos e que o benefício em questão não foi obtido mediante fraude, pois foi instruído com documentos legítimos".
Ao analisar o caso, a Primeira Turma do TRF3 destacou que a primeira indicação de fraude no pedido do benefício previdenciário é que ele foi instruído com um contrato de abertura de contra conjunta firmado pela segurada com data posterior à sua morte.
A defesa do acusado afirmou também que ele, embora estivesse divorciado da segurada falecida em 1989, voltou a viver maritalmente com ela, tendo sido a união estável declarada por escritura pública, revelando uma convivência de mais de quatro anos até a data de 20 de setembro de 2000.
Contudo, em ação que tramitou perante a Vara Distrital de Aguaí (SP), o réu declarou em juízo ser homossexual, diante do que, no entender da Turma, a escritura pública perde efetivamente credibilidade sobre a relação de convivência entre ele e a segurada. Para os desembargadores federais, não foi comprovado, conforme exige o artigo 1723 do Código Civil, uma relação pública e duradoura com o objetivo de constituir família.
A Turma localizou ainda outras provas documentais que negam a convivência marital entre réu e segurada. Ela havia ajuizado na Vara Distrital de Aguaí uma ação para anular uma procuração pública a ele outorgada, bem como uma nota promissória, alegando que havia sido enganada por ele quando estava em estado de embriaguez, tendo o acusado pedido a ela para assinar os documentos. Nessa ação, a falecida segurada disse ainda que o réu, de posse da procuração pública, dirigiu-se à Caixa Econômica Federal e efetuou saques de seu fundo de garantia, sem seu conhecimento e autorização.
Na mesma ação anulatória, a segurada relata que vivia na edícula dos fundos da casa do réu pagando aluguel, sem manter qualquer relacionamento íntimo com ele, tendo mudado de endereço posteriormente. "Quem paga aluguel", diz a decisão, "não pode ser tida como convivente, em união estável, na forma da lei."
Ainda na mesma ação anulatória, a segurada foi submetida à perícia médica, cuja conclusão foi a de que "a requerente é alcoólatra habitual" e "está apresentando quadro demencial devido ao uso habitual de bebidas alcoólicas, sua capacidade e vontade estão extremamente prejudicadas". Para a Primeira Turma, isso torna corrobora a sua versão de que foi ludibriada pelo acusado ao assinar documentos, inclusive a escritura pública de união estável.
A segurada recebia aposentadoria por invalidez em virtude de alcoolismo e veio a falecer apresentando quadro demencial por abuso de álcool. Seu atestado de óbito, diz a decisão, enumera como causa da morte cirrose hepática e alcoolismo crônico.
Concluiu o relator: "Da análise das provas documentais acima coligidas, é indene de dúvidas a inexistência de relação afetiva em união estável entre o réu e a Sra. (...), dada a ausência de demonstração de convivência sob o mesmo teto, ausência de apresentação como casal, falta de confiança e zelo pelo outro, além de disputas judiciais, não se constatando, diante desse contexto, o exigível affectio maritatis, para configuração da chamada união estável."
Apelação Criminal nº 0000125-51.2007.4.03.6127/SP