João e José (nomes fictícios) são gêmeos univitelinos, moradores de Cachoeira Alta, a 358 quilômetros de Goiânia, e sempre se aproveitaram da extrema semelhança física, desde crianças. Os dois, no entanto, se envolveram em caso curioso. São apontados como pais de uma menina, cuja paternidade é cientificamente impossível atribuir a um deles com segurança.
Gêmeos chamados monozigóticos têm o código genético igual, e nem exames laboratoriais de DNA podem atribuir a paternidade a um deles com segurança. Pois em ação de investigação e reconhecimento de paternidade, proposta pela avó da criança, em nome da mãe, ainda menor – já que nem João nem José assumiram a paternidade – o juiz da comarca da cidade do interior goiano, Filipe Luís Peruca, decidiu que ambos sejam incluídos na certidão de nascimento da menina. E que paguem, cada um, pensão alimentícia no valor de 30% do salário-mínimo.
Na sua sentença, o magistrado assentou inicialmente que “nada obstante a existência de dois exames de DNA, atestando a paternidade de ambos os requeridos para com a autora, revela-se nos autos a negativa, dos requeridos, em assumir a paternidade”. E que, no caso dos autos, “ressai que um dos irmãos, de má-fé, busca ocultar a paternidade”, buscando “se beneficiar da própria torpeza, prejudicando o direito ao reconhecimento da paternidade biológica da autora, direito este de abrigo constitucional, inalienável e indisponível, intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa (art. 1º, inciso III, da Constituição da República)”.
O juiz Lilipe Luís Peruca decidiu então reconhecer a multiparentabilidade”, nos seguintes termos:
“Como é sabido, o conceito de família não deve ser realizado de forma técnica e imutável, pelo contrário, deve ser extraído do contexto social, jurídico e psicológico, no âmbito da sociedade e levando-se em consideração a consciência coletiva da atualidade. Assim, diz-se que família é gênero, que, por sua vez, comporta diversas modalidades de constituição, devendo todas ser objeto da proteção do direito.
Dentro do âmbito de proteção do instituto família, não se pode olvidar para o princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, porquanto os filhos menores – crianças e adolescentes – gozam, por determinação constitucional (art. 227), de plena proteção e prioridade absoluta em seu tratamento. Logo, seus interesses devem ser tutelados e seus direitos resguardados.
Dessa forma, exsurge o direito à identificação biológica e origem genética, que traz à tona a importância acerca da elucidação da paternidade, para o exercício dos direitos resultantes do vínculo familiar”.
“(…) diante das peculiaridades do caso concreto, reputo que a decisão que mais açambarca o conceito de justiça, é aquela que prestigia os interesses e direitos da criança, em detrimento da torpeza dos requeridos.
Além disso, embora a lei não regulamente questão de tamanha complexidade e singularidade, a ausência de comando normativo, por certo, não pode implicar no non liquet, visto que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de forma expressa, estabelece, em seu art. 4º, que: ‘Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
DF com Assessoria